Artigo - Tratamento Comunitário

Luciene Martins; Patrícia Santos; Ricardo Silva (2010). Tratamento Comunitário: uma proposta de inclusão. Centro de Formação de Tratamento Comunitário, Brasil. Seminário de Formação de Formadores, 24 – 26 de agosto de 2009.



RESUMO

O Tratamento com Base Comunitária é uma metodologia de intervenção para o trabalho em comunidades que vivenciam contextos de exclusão social grave fundamentada no modelo ECO². Trata-se de uma proposta inclusiva que visa reconhecer e visibilizar os recursos humanos e materiais de uma localidade como estratégia e ponto de partida no reconhecimento da comunidade enquanto elemento fundamental no processo de transformação social.

PALAVRAS-CHAVE: tratamento comunitário, ECO², comunidade, transformação social, exclusão social grave.



APRESENTAÇÃO

Diversos trabalhos já foram elaborados sobre as questões de exclusão social, assim como as mais variadas formas de intervenções quer seja na perspectiva governamental ou não-governamental. Esse texto objetiva discorrer sobre o Tratamento com Base Comunitária, suas origens, fundamentos e princípios que caracterizam essa proposta.



O TRATAMENTO COMUNITÁRIO E SUAS ORIGENS

O modelo ECO² surgiu de um processo de articulação institucional vivenciado por 04 organizações não governamentais do México (Cáritas Arquidiocesana do México, Hogar Integral de la Juventud, Centro Juvenil de Promocion Integral (Cejuv) e Cultura Joven, que tinham em comum o trabalho com farmacodependentes. (Machín e Velasco, 2002).

Inicialmente (1989-1994) estas organizações realizavam seminários de formação conjunto. Em 1994 elaboram com assessoria de experientes estudiosos, Efrem Milanese, Roberto Merlo e Brigitte Laffay, os protocolos de um projeto interinstitucional de investigação na ação sobre a dependência química incluindo a perspectiva de prevenção e cura.

O projeto contou com a cooperação financeira da União Européia e Cáritas da Alemanha, e foi desenvolvido entre os anos de 1995 e 1998. Como consequência do projeto de investigação na ação, surgiu um modelo científico de prevenção, redução de danos e tratamento da dependência química e situações críticas associadas, além de uma proposta de formação de agentes que realizam estas tarefas, denominado ECO².

O nome ECO2 deriva de algumas de suas principais características: Epistemologia da complexidade, ética e comunitária, e em referência à raiz grega ECO, que significa casa e que compartilham os termos Ecologia e Ecumenismo (Machín e Velasco, 2002). No que se refere à fundamentação teórica para a intervenção em situações de vulnerabilidade social, o Tratamento Comunitário articula contribuições da Psicologia Comunitária, Social, Sociologia, Antropologia Social, Teoria Psicanalítica e Fenomenologia.



CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Segundo Milanese (1999), o Tratamento Comunitário é “um conjunto de ações, instrumentos e práticas, organizadas em um processo que tem como finalidade, o melhoramento das condições de vida das pessoas que abusam de drogas e vivem em uma situação de exclusão social grave, e o melhoramento das condições de vida na comunidade local e na qual se trabalha.”

Neste sentido, a proposta do Tratamento Comunitário é construir estratégias de intervenção com a comunidade, na comunidade e para comunidade em um processo de construção com todos os atores sociais presentes nesses espaços, compreendendo que a comunidade já existe e que somos nós que deveremos conhecê-la, entendê-la para assim construir juntos.

O adjetivo comunitário evidencia como este processo acontece na comunidade local, junto com a comunidade local e por meio da comunidade local. Por comunidade entende-se um território delimitado com fins geográficos e cercado por um conjunto de redes sociais que contribuem também em definir as fronteiras deste território.

Por exclusão social grave, entende-se contextos de extrema pobreza, baixo nível escolar, sem ocupação ou trabalho e com precárias formas de auto sustentação (trabalho ocasional, mal remunerado, e a margem da legalidade), exposição à violência física e psicológica, vida na rua e de rua, exploração sexual, doenças sexualmente transmissíveis, HIV/ AIDS, deslocamentos e migrações forçadas, falta de acesso aos serviços básicos de saúde, educação, seguridade e proteção social.

O abuso de drogas é para o tratamento comunitário apenas uma das possíveis portas de entrada nos contextos de sofrimento social, psicológico, físico, cultural. Focalizar no abuso de drogas é a conseqüência de um caminho de investigação-experimentação iniciado em 1989.

No caso específico de situações de farmocodependência, a institucionalização do paciente não é necessária. O tratamento com base comunitária não consiste em transportar para comunidade local estratégias e serviços vivenciados na comunidade terapêutica ou em hospitais ou em outras formas institucionalizadas de assistência, mas detectar, reunir, organizar, fortalecer, educar, e articular os recursos presentes na comunidade.

Pode-se obviamente usar metodologias, instrumentos e recursos procedentes de experiências terapêuticas, educativas, organizativas e produtivas institucionalizadas, no entanto, estas se utilizam quando está demonstrado que não existem na comunidade, evitando introduzir na comunidade recursos que já existem. “Quando introduzimos numa comunidade local recursos que a comunidade já possui e que é possível utilizar (por exemplo, profissionais que já existem na comunidade) estamos fortalecendo processos de contra empoderamento e dependência”. (Milanese, 2002)



AÇÕES, ESTRATÉGIAS E INSTRUMENTOS DO TRATAMENTO COMUNITÁRIO

Segundo Efrem Milanese (2006), o Tratamento Comunitário fundamenta-se na prática de cinco macros ações ou eixos:

• Organização: Conhecimento e organização dos recursos (individuais, grupais, comunitários etc.) em função das necessidades das pessoas, dos objetivos do tratamento etc.

• Assistência: dar serviços básicos a pessoas que fazem uso abusivo de drogas gravemente excluídas (refúgio, higiene etc. como indicado em “Ações Típicas de Redução do Dano) contando com sua participação ativa.

• Educação: empoderamento a nível individual, grupal, institucional e comunitário por meio de processos educativos formais e não formais (treinamento e formação) finalizados a melhorar a participação na vida social e a qualidade de vida.

• Terapia: ações ou processos de cura médica e psicológica que restituam à pessoa, na medida do possível (experiências graves de exclusão podem produzir danos irreversíveis) a um corpo são e uma mente sã.

• Trabalho: as pessoas precisam de um trabalho que lhes garanta autonomia econômica; isto tem que se incluir num processo de tratamento. A ausência de uma oportunidade trabalho digna é um elemento essencial de prognóstico negativo num processo de tratamento comunitário ou institucional.



Quatro estratégias são transversais a esses cinco eixo de ação citados acima:

(i) investigação na ação;
(ii) trabalho de redes e de comunidade;
(iii) incidência política e advocacy;
(iv) treinamento e formação de operadores e de formadores.

Para fase de organização, foi criado o “Sistema de Diagnóstico Estratégico (SIDIES)”. O “Sistema Diagnostico Estratégico (SIDIES)” está constituído por quatro partes. A primeira inclui a identificação de todos os atores da vida social da comunidade; identificação dos líderes de opinião; representação social que os atores sociais tem sobre os problemas da comunidade; explicitação da ação social em ato; análise dos fracassos; prognóstico dos atores sociais sobre o êxito do projeto.

A segunda inclui a descrição de uma breve história da comunidade e a composição da população da comunidade; a terceira inclui definição dos atores do projeto; definição dos temas geradores, análise das formas de encaixe e objetivação, análise de formas rituais e mitos, explicitação de conflitos, elenco das pessoas contatadas, redes subjetivas e a quarta inclui sistema de construção da estratégia e sistema de correção da estratégia.

A complexidade do fenômeno (comunidade) objeto do tratamento comunitário exige uma leitura multidisciplinar sendo necessário articular conceitos de diversas áreas do conhecimento científico e popular. Prova disso é a importância de conhecermos as representações sociais que regem a comunidade (o que pensam sobre cada um dos pontos que consideram chaves na dinâmica (situações do cotidiano), as minorias ativas (grupos que desenvolvem outro olhar sobre o que acontece na comunidade e promovem a saída da acomodação para a inovação social produzindo mudanças em suas realidades).

As ações de tratamento comunitário são pautadas no modelo ECO2 e consiste num processo de investigação na ação. A metodologia do tratamento comunitário também está fundamentada nos princípios da educação popular já que compreende a comunidade como protagonista e a contribuição dos educadores é articular e descobrir as lideranças, as redes, as dificuldades e as potencialidades existentes contribuindo com o processo de transformação comunitária, o exercício pleno da cidadania e a valorização das lideranças locais.

No processo de tratamento comunitário são empregados instrumentos de sistematização essenciais à prática reflexiva como o diário de campo e a folha de primeiro contato. A sistematização periódica das informações coletadas, durante a avaliação diagnóstica, são elementos fundamentais à construção do planejamento estratégico desenvolvido. A avaliação permanente, a revisão das tarefas (em equipe, supervisões externas), a postura ética que implica uma reflexão constante sobre nós mesmos garante contribuem para o registro dos dados e mapeamento da área.

Compreendemos que o tratamento comunitário tem por objetivo o fortalecimento das redes local de atores formais e informais, pois acredita que as comunidades locais possuem recursos para poder ser um espaço e um instrumento de prevenção.



BIBLIOGRAFIA

MILANESE, Effrem. O trabalho de rede nas comunidades locais. Seminário para o grupo de formadores de Santa Fé de Bogotá. Bogotá, 10 a 12 de novembro de 1999.


MILANESE, Effrem. TRATAMENTO COMUNITÁRIO DE LAS ADICCIONES E DE LAS CONSECUENSIAS DE LA EXCLUSION GRAVE. Manual de trabajo para El operador.


MILANESE, Effrem. As comunidades locais como espaço de prevenção. Feira Nacional da Prevenção do Consumo de Drogas. Santiago de Cali, 1999.


MACHIN, Juan. VELASCO, Manuel. Introdução ao Modelo ECO2. Conferência Magistral no Foro Internacional “Comunidades locais de prevenção e representações sociais sobre as diferentes manifestações das substâncias psicoativas.” Colômbia, 26 de abril de 2002.